Páginas

domingo, julho 22, 2007

Santa Chuva


(ele)

Vai chover de novo
Deu na TV
Que o povo já se cansou
De tanto o céu desabar
E pede a um santo daqui
Que reza a ajuda de Deus
Mas nada pode fazer
Se a chuva quer é trazer você pra mim
Vem cá, que tá me dando uma vontade de chorar
Não faz assim
Não vá pra lá
Meu coração vai se entregar
À tempestade...

(ela)

Quem é você pra me chamar aqui
Se nada aconteceu?
Me diz?
Foi só amor? Ou medo de ficar
Sozinho outra vez?
Cadê aquela outra mulher?
Você me parecia tão bem...
A chuva já passou por aqui
Eu mesma que cuidei de secar
Quem foi que te ensinou a rezar?
Que santo vai brigar por você?
Que povo aprova o que você fez?
Devolve aquela minha TV
Que eu vou de vez
Não há porque chorar
Por um amor que já morreu
Deixa pra lá
Eu vou, adeus
Meu coração já se cansou de falsidade...

(Marcelo Camelo)

sábado, julho 21, 2007

Reticências


Não sei o que faço por aqui.
Escrevo-lhes (a quem mesmo?) motivada pelo ócio (grande paradoxo)...

De repente me vi pensando naquela baboseira de digestão do mundo.
Em que pese alguns avanços, ainda não consegui tragá-lo de maneira satisfatória. Sinto-me como uma criança, com reticências e interrogações pairando acima da cabeça a cada capítulo do meu dramalhão mexicano.

A vida é muito irônica (Chico foi muito feliz quando escreveu "Partido alto"). Deus deve mesmo assistir de camarote as comédias de nossas vidas privadas.

O grande fato é que com o tempo aprendemos a não duvidar das improbabilidades. Tudo é possível, e os absurdos vêm abundando vertiginosamente.

Exponencialmente...

Por um lado, ganhamos com isso a vantagem de minimizar decepções e não apostar tanto em quinquilharias. Por outro, perdemos a capacidade de nos surpreender, e tudo vai sendo tomado pelo gris dos amargos.

E o colorido caleidoscópio de nossos primeiros anos vai perdendo os seus matizes mais preciosos, levando consigo toda a graça que nos causava a insônia e ansiedade pelo raiar do Sol.

Lembro, como fosse hoje, das 9's de março, ou dos 11's de outubros. Lembro também de não querer dormir no dia 24 de dezembro, com medo de que uma piscadela me fizesse perder a oportunidade de ver o velho Nicolau. Mas aquele gatuno sempre era mais esperto que eu...

E hoje?

Eu sou feliz.
E amo.
Amo muito.

Mas temo.

Tenho medo do cinza.

Tenho medo da ameaça nuclear iminente que pulula nos seres humanos.

quarta-feira, julho 11, 2007

Doces tragédias


Tem dias que já nascem como um prenúncio de fracasso estelar.

Chuva. Despertador às seis. Função "soneca". Dez minutos de concessão. Vinte. Triiiiinta.

Ops!

A p**** do chuveiro elétrico não tá funcionando. A pasta de dente, outrora inofensiva, agora lhe causa uma alergia horrenda. Não tem pão pro café (e se tivesse, você não teria tempo de comê-lo). E todo o resto não lhe apetece.

Isso sem falar no imbecil a 20km/h na faixa da esquerda, na velhinha da frente da fila do caixa eletrônico (que sempre esquece as letras de acesso), e na repentina descoberta de que sua conta está a anos-luz do saldo positivo. Ó céus!

Cólica menstrual, afazeres maçantes, preguiça a corroer os confins mais recônditos da alma, e uma vontade irrepreensível de jogar tudo pros ares e viver como monja no Tibete.

Mas, opa!

Não é que a vida é até engraçada?

Tudo se torna mais doce quando se aprende a chacotear as singelas comédias privadas de cada dia.

Somente após intensos exercícios de ascese espiritual você se torna capaz de enxergar que a demora do ônibus te proporciona mais tempo contemplando o comportamento humano. E que, se por alguma gozação do destino, o motorista ignorar solenemente a sua existência, você disporá de mais "linhas-fúteis-de-livros-fúteis-de mulherzinha" lidas (essa é a parte que mais gosto. A propósito, leiam "Melancia", de Marian Keyes).

Viver é doce. Às vezes é só algodão, mas ainda apto a ser encarado com doçura. O fundo do pote sempre pode camuflar uma tímida migalha cristalina, discreta como o quê.

[...]

O que seria de nossa estadia terrena, não fossem as agruras existenciais? O que seria do êxtase da felicidade, sem a paradoxal vivência dos desmandos adversos a que a vida nos condena?

Um bom roteiro não pode prescindir de uma pitada de dramalhão mexicano. Todos nós temos os nossos dias de Antonietas Helenas e Gabriéis Emerencianos.

Sim, eu sei que decepcionei, e mudei completamente o foco da história.
Escrevo pra mim, mesmo.

Tá olhando o quê?

terça-feira, julho 10, 2007

Separô


Separô toda minha correria
Separô o joio do trigo e da padaria
Separô diante de mim quando minha tristeza era parte do dia
Separô Dona Beleza de Dona Maria

Separô o que não restava do que já não tinha
Separô diante minha palavra e se fez poesia
Separô pra ouvir meu protesto, meu gesto que incerto, ]
[ talvez não faria
Separô o silêncio da dor me trazendo alegria

Separô pra pensar no que a gente faria
Se não houvesse a poesia
Se não restasse farinha pro nosso pão!

Iria só até o fim
Daria tudo e mais um pouco de mim
Separa um tanto, que o outro eu te dou
Separa a chuva pra continuar flor!

(Fernando Anitelli)