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quarta-feira, outubro 20, 2010

AOS ELEITORES DE SERRA

Você não votou na Dilma no primeiro turno. Também não pretende votar nela no segundo turno. Não apenas você não vai votar nela, como você tem alertado sobre os perigos de se votar na candidata petista. Você tem suas razões para achar que o voto em Dilma não é o melhor para o Brasil.

Eu não penso como você. Entendo que o melhor voto para o Brasil é o voto em Dilma Roussef, e não em José Serra.

A principal razão que, no meu ponto de vista, justifica o voto em Dilma não é uma única razão. Na verdade, são 53 milhões de razões: entre 2003 e 2008, foram 21 milhões de brasileiros que deixaram a miséria e outros 32 milhões que ascenderam à classe média. Os números dos que chegaram à classe média correspondem mais ou menos ao total de torcedores do Flamengo, e os que saíram da pobreza correspondem aproximadamente à torcida do Corinthians. É isso mesmo: o número de brasileiros que melhoraram de vida na Era Lula é um pouco menor que a soma das torcidas do Flamengo e do Corinthians. A pobreza extrema no país foi reduzida à metade nos anos Lula. Esse salto não se deveu apenas ao bom momento econômico. Isso é fruto de medidas específicas do Governo Federal, tais como o Bolsa Família e o Bolsa Escola.

Você chama esses programas de assistencialistas, de demagogia paternalista. Na sua concepção liberal de “Estado mínimo”, esses programas não têm justificativa. Mas os países socialmente mais justos foram aqueles em que o Estado assumiu um papel ativo na promoção do bem estar social. Você condena os programas brasileiros, mas, quando vem à Europa, se embasbaca dizendo que a Suécia ou a Dinamarca é que são países “de verdade”, pois se importam com seus cidadãos. Os programas sociais brasileiros são irrisórios se comparados aos de países da Europa ocidental. Por que você etiqueta os programas assistencialistas suecos de “justos” e os brasileiros de “demagógicos”? O número de programas de suporte social de um país como a França é muito superior ao do Brasil. Para você ter uma ideia, aqui eu recebo uma ajuda de moradia, fornecida pelo governo francês a todo estudante que paga aluguel, seja ele francês ou não. Isso custa uma grana preta aos cofres franceses. Certa vez, comentei com um colega no trabalho que recebia essa ajuda. Nunca vou me esquecer do que ele falou: “Puxa, nem sabia que isso existia aqui na França. Sou classe média, não preciso desse auxílio, mas fico feliz de saber que os impostos que eu pago servem para ajudar estudantes como você”. Isso é civismo. É impensável ouvir isso da classe média brasileira, notória pelo seu acivismo. O que se ouve deles é que “a classe média é explorada”.

Você deveria é ficar feliz de saber que parte de seus impostos são destinados a ajudar os brasileiros que podem menos. Votar em Dilma é votar na continuidade desses programas. É a garantia de que mais compatriotas irão melhorar de vida. Ou você acha que vai manter esses programas um cara cujo vice propôs punir quem dá esmolas e que chamou o Pronasci de “bolsa-bandido”? Um cara cuja esposa chamou o Bolsa Família de “bolsa vagabundagem”? Você acha que esse senhor tem capacidade de diálogo com os mais desprovidos? Um cara que diz não entender os sotaques de goianos, mineiros e pernambucanos? Um cara que, como bem observou Idelber Avelar, inventou a favela de plástico? Um cara que diz para uma eleitora na favela, “Não posso conversar agora. A senhora não poderia me mandar um fax?”? Esse senhor não demonstra ter canais de comunicação com os pobres. Serra diz que vai manter os programas sociais. Só que eu não confio no que Serra diz. Aliás, não confio sequer no compromisso que ele assume por escrito em cartório.

Foi sob o Governo Lula que a economia brasileira conheceu um período de crescimento expressivo, inclusive durante a crise mundial. Conheço seu argumento: “Lula continuou o que FHC fez”. Só que o próprio FHC reconheceu recentemente que a gestão econômica do PT tem méritos próprios. Insistir na tese de que tudo de bom da economia brasileira não tem sequer uma contribuição da equipe econômica de Lula, mas apenas de FHC e do Plano Real, tem tanto sentido quanto dizer que a pujança da indústria automobilística brasileira nos dias atuais é mérito de apenas um homem: JK.

Não foi apenas no plano econômico que a gestão Lula foi primorosa. Há que se destacar a revitalização do sistema universitário público. Comparar a gestão Lula com Paulo Renato é como comparar o Barcelona ao Madureira. Foi nos anos FHC que o ensino superior privado conheceu fulgurante expansão – na maior parte das vezes, sem a contrapartida da qualidade –, rifando vagas universitárias a megagrupos empresariais. Ao mesmo tempo, as universidades federais entraram em processo de sucateamento: Paulo Renato cortou verbas, restringiu concursos para professores e funcionários, priorizou a expansão do ensino privado, não promoveu uma política de assistência estudantil. Fiz o curso médico na UFMG durante os anos FHC. O descaso governamental provocava greves recorrentes (a de 1998 foi marcante) e provocou inclusive o fechamento do Hospital das Clínicas da UFMG, pelo simples motivo de que a verba federal não era repassada: centenas e centenas de alunos, além de milhares de pacientes carentes, sofreram com o fechamento do hospital. Hoje, o campus da UFMG tem outra cara: prédios novos e modernos foram inaugurados (Economia, Farmácia, Odontologia, Engenharia).

A Cynthia Semíramis concorda comigo. Lula investiu no ensino superior: criou 14 universidades federais e outras dezenas e dezenas de escolas técnicas, muitas delas em regiões menos desenvolvidas do país. Foi a política de Lula que permitiu a criação, por exemplo, do Instituto de Neurociências de Natal, que já está aí, repatriando pesquisadores e fazendo pesquisa em alto nível. Cargos docentes foram criados e a carreira universitária foi valorizada, em flagrante contraste com a ativa promoção da penúria que marcou a gestão Paulo Renato. Tudo isso propiciou que os mestres e doutores formados no Brasil ocupassem cargos na universidade brasileira, evitando o brain drain que por tantos anos sangrou a academia brasileira.

O salto na pesquisa brasileira desde a eleição de Lula é bastante expressivo. Em 2003, os investimentos em ciência e tecnologia foram de 21,4 bilhões de reais; em 2008, já atingiam R$ 43,1 bilhões. Paralelamente, houve notável aumento da produtividade científica brasileira: as publicações em peer-review journals saltaram de 14.237 em 2003 para 30.415 em 2008. Subimos da 17ª posição no ranking da SCImago, em 2000, para a 14ª, em 2008. Passamos países com maior tradição de pesquisa, como a Suíça e a Rússia. A política de pesquisa do Governo Lula foi elogiada inclusive pela Nature, uma das revistas científicas mais importantes do mundo (aí, Tio Rei, coloque mais essa na lista do jornalismo chapa-branca). Eu não voto em José Serra porque não quero que a universidade e a pesquisa brasileiras sejam sucateadas novamente. Não merecemos outro Paulo Renato.

Você diz que o governo do PT é anti-democrático, que ele coíbe a liberdade de expressão e que ele ameaça a liberdade de imprensa. Você acha que o PSDB representa uma proposta democrática. Discordo nos dois pontos. Houve declarações atrapalhadas do governo no que diz respeito à imprensa, e não aprovo a atitude de Lula no episódio Larry Rother. Mas daí a dizer que governo do PT é anti-democrático e que cerceia a liberdade de imprensa vai uma distância muito grande. Nem mesmo FHC sustenta que o Lula é stalinista – só aloprados como Olavão e o Tio Rei é que alimentam besteiras assim. Se, como você diz, o PT censura a imprensa a seu favor e coloca um monte de jornalista chapa-branca nas redações de todo o país, olha, então o PT tem que aprimorar seus métodos. Dê uma olhada nas últimas capas da revista semanal de maior circulação do país, ligue a TV no principal canal, ou visite um dos blogs políticos mais acessados e veja (ops!) se há algum indício de que o PT tolhe quem fala mal dele e quem aponta as lambanças do partido. Aí você diz que, no governo Lula, tentou-se criar o Conselho Nacional de Jornalismo e que isso era uma tentativa ditatorial de controlar a liberdade de imprensa. Se isso é ditadura, sua lista de governos anti-democráticos deve incluir também países em que o Conselho já existe, como a França e a Inglaterra, como bem lembra Jânio de Freitas. Você critica a TV Brasil, dizendo que o governo não tem que manter canal de TV. Diga isso a um francês. Ele vai lhe dizer que na França não existe um canal de TV nacional que seja público. Existem cinco.

Eu também li o editorial do Estadão, dizendo que Dilma é “o mal a evitar”, por representar uma ameaça à democracia e à liberdade de imprensa. Você achou bonita essa defesa do “Estado de Direito”, né? Por que o Estadão nunca fez um editorial como esse quando o Brasil efetivamente vivia sob uma ditadura, nos anos de chumbo? Por que, dias depois desse editorial, esse mesmo órgão que se põe como baluarte da democracia plural demitiu sumariamente uma colunista que apoiou o Bolsa Família?

E será que o PSDB é tão comprometido assim com a democracia constitucional e com a liberdade de expressão? E os arapongas da Abin na gestão FHC? De qual partido é Eduardo Azeredo, que propôs uma lei de controle da internet que é carinhosamente chamada de AI-5 digital? De qual partido é Yeda Crusius, que mobilizou a PM gaúcha para espionar uma deputada de oposição, inclusive suas crianças (via Idelber)? De qual partido é Beto Richa, que censurou sete pesquisas eleitorais, um blog e até um twitter? E o que dizer do Serra, que telefonou a Gilmar Mendes para que ele tomasse a decisão que o PSDB preferia, no que diz respeito aos documentos necessários à votação? Isso é respeito às instituições democráticas?

Você reprova a política externa do Lula, dizendo que ele desonra a democracia brasileira, privilegiando o diálogo com regimes fechados e ditatoriais. Então me responda: onde estava sua indignação quando FHC condecorou o ditador peruano Alberto Fujimori com a Ordem do Cruzeiro do Sul?

Você vê com maus olhos as alianças políticas do governo Lula e acha que isso é um argumento forte para não votar no PT. Eu também não gosto do Sarney, do Collor, do Calheiros, do Temer, do Hélio Costa. Preferiria que eles estivessem longe do poder. Mas já passamos da idade de acreditar em purismo ideológico, né? Isso é coisa de adolescente que descobre a política. Fazer política é fazer alianças, muitas das quais difíceis de serem engulidas. Vai me dizer que você gostava de ver o sociólogo da Sorbonne de mãos dadas com o PFL de ACM e cia.? Você gostava de ver o Renan Calheiros como Ministro da Justiça do FHC? Talvez você nem sequer goste do Índio da Costa… Bem vindo à real politik, mon ami.

E sim, você vai me falar da corrupção na gestão petista. É verdade. No que diz respeito ao combate à corrupção o governo Lula não foi virtuoso – longe disso. Houve mesmo bastante corrupção. O mensalão existiu, não foi invenção. Mas, será que a oposição é impoluta e pode mesmo posar de moralmente superiora? Lembra-se do Mensalão Mineiro e do Azeredo? Do Ricardo Sérgio de Oliveira, caixa do alto tucanato, que levou R$ 15 milhões na privatização da Vale? Dos R$ 400.000 a cada deputado que votou a favor da reeleição? E o esquema de corrupção e espionagem, revelado no escândalo dos grampos durante a privatização da Telebrás, envolvendo FHC, o presidente do BNDES (André Lara Resende) e Luiz Carlos Mendonça de Barros (ministro das Comunicações)? E a farra do Proer? E o favorecimento ilícito da Raytheon na instalação do SIVAM ? E a endinheirada relação entre Chico Lopes (ex-presidente do BC) e o banqueiro Salvatore Cacciola? E Eduardo Jorge, assessor pessoal de FHC envolvido em diversas negociatas, inclusive em “caixa dois” para a reeleição de FHC? Por favor, não me venha com essa conversa de que o PSDB não compactua com a corrupção.

Eu vou concordar com você que o Brasil precisa de investimento em infra-estrutura: portos, rodovias, aeroportos. Mas será que o governo que impôs à população brasileira o racionamento de energia é mesmo o mais preparado para conduzir esses avanços em infra-estrutura? Acho que não.

Mas talvez nenhuma dessas questões sobre economia, educação e gestão pública importem para você. Talvez o que mais lhe opõe à candidatura de Dilma Roussef sejam questões religiosas. Pode ser, por exemplo, que você se oponha à política petista em defesa dos direitos civis dos homossexuais. Você chama isso de “tentativa de implantação de uma ditadura gay no Brasil”. É engraçado ouvir que existe ditadura gay no Brasil das mulheres-fruta, das dançarinas de axé, da erotização infantil, das peladonas do carnaval, das bancas em que pululam revistas masculinas de orientação heterossexual. Fique tranqüilo, essas coisas vão continuar acontecendo e ninguém está propondo instituir o monopólio da G Magazine entre as revistas de entretenimento adulto (fugiremos juntos do Brasil quando isso acontecer, ok?). Estamos falando em estender a uma pequena parcela da população os direitos civis desfrutados pela maioria. Nenhum governo do mundo tem poder para forçar alguém a assumir determinada sexualidade, porque os determinismos neurobiológicos da sexualidade passam ao largo da legislação dos homens – do contrário, eu acharia que os labradores machos lá do sítio da minha família só montam um no outro porque o governo PT apóia a causa homossexual (e eu desconfio que meus labradores não entendem muito bem o que seja o PL 122). A questão aqui é apenas garantir que a expressão de determinado comportamento sexual não seja discriminada. Isso não é forçar a população a ser homossexual, nem calar heterossexuais. O prefeito de Paris é gay, assim como o de Berlim e a Primeira Ministra da Islândia. Eu, heterossexual, não sofro por morar em uma cidade governada por um gay.

Aproveitando o tema, permita-me uma pergunta: o que aconteceria se, ao invés de se mobilizarem maciçamente contra o “casamento gay”, os evangélicos se movessem por coisas que importam, como metrôs, ensino público, bons hospitais e punição a corruptos? Por essas e outras, é que indicadores como mortes violentas, saneamento básico e crianças nas escolas são bem melhores em Paris do que em São Gonçalo, cidade do Brasil com maior concentração de evangélicos. A luta contra a miséria e os embates por educação, transporte e hospitais de qualidade não parecem sensibilizar evangélicos – mas se dois marmajos querem juntar escovas de dentes no mesmo copo do banheiro, aí eles entram na briga, né? Essa miopia política acívica atrasa o país. O Brasil seria bem melhor para todos se os evangélicos batalhassem politicamente por coisas que realmente importam – e isso certamente não inclui ajustar o mundo aos estritos códigos comportamentais que defendem.

Há o aborto também. Você está certo: a Dilma é a favor do direito ao aborto (este vídeo é como batom na cueca, não tem o que discutir). Mas preste atenção: estamos tratando de uma eleição presidencial, não de um plebiscito sobre o aborto. E você sabe: o presidente não tem poder para assinar um papel e legalizar o aborto por conta própria, sem aprovação do Congresso, como se estivesse assinando uma ordem para comprar canetas Bic para escolas públicas. A discussão e a legislação sobre aborto são matéria do Congresso, não do presidente. Não misture as coisas. Não entre na onda dos que estão transformando essa eleição em um plebiscito.

O Brasil melhorou muito sob a égide de Lula. A imprensa mundial, dos veículos mais à esquerda aos mais à direita (tá aqui o Figaro que não me deixa mentir), saúda os avanços na Era Lula. Você dirá, com razão, que toda unanimidade é burra. Sim, é verdade. Mas isso não significa que toda forma de discordância é inteligente. Não é inteligente negar que, nos anos Lula, o Brasil se tornou um país socialmente mais justo e menos desigual. Isso é negar os fatos. E negar os fatos nunca é inteligente.

Você pode até não votar na Dilma, por razões várias. Eu, de minha parte, prefiro apoiar quem tem feito do Brasil um lugar melhor para o maior número possível dos filhos deste solo: os brasileiros.

* Leonardo de Souza é médico formado pela UFMG. Especialista em Neurologia, trabalha desde 2005 no Centro de Doenças Cognitivo-Comportamentais do Hospital da Pitié-Salpétriêre, em Paris. É doutorando em neurociências na Université Paris VI. Este texto foi publicado inicialmente em seu blog: aterceiramargemdosena.opsblog.org.

sábado, janeiro 30, 2010

A dor é P&B, a liberdade é 3D


Por Xico Sá


Está aí um momento lindamente difícil, primeiro plano, fechado, só você e a câmera do homem que filma tudo lá de cima, agora em 3D, para que todos acreditem e não vejam como truque ou chantagem, o justo instante em que diz, absoluto (a): adeus, acabou chorare, chega de palhaçada!

Dificílima decisão quando você ama o (a) sujeito (a) como nos versos mais lindos dos Beatles que ouviram do Ipiranga, da Serra do Rola Moça, do Mucuripe, da beira do Capibaribe ou do Crato.

Mas que linda iluminação, meu santo Jack Kereouac, o beijo ao vento, o sorriso, o fim da maldição de todas as músicas que parecem biográficas, sejam de Leonard Cohen, do Chico ou do Waldick Soriano.

Já reparou, amigo (a) que, quando doentes de amor, toda e qualquer canção é a história cagada e cuspida das nossas vidas?! Entramos no carro ou em um táxi de madrugada, velho e bom Serginho Barbosa, e lá está a trilha sonora da existência.

Agora você simplesmente ergue as mãos para os céus e diz: estou livre!

Penei, sofri, vivi o luto amoroso, mas essa (e) peste não me merece. Você foi grande, não esnobou com o (a) primeiro (a) que apareceu pela frente, respeitou, viveu noites de insônia e solenes carências.

Você tomou fortes remédios, enfim, você foi intenso (a) e segurou a onda em todas as medidas e trenas do possível.

Óbvio que às vezes você se engana, todos nós caímos nessa, achamos que estamos libertos e temos recaídas, acontece, basta estar vivo, dane-se, o amor é uma droga pesada, muito bem disseram, passa a régua.

Agora não, você se sente livre mesmo, até recita um verso de outro grande poeta, o Walt Whitman, aquele que diz mais ou menos assim, não recordo de memória: "De hoje em diante não digo mais boa sorte/boa sorte sou eu!"

Pronto. É isso ai, vamos embora e etc.

Você se sente livre mesmo (a), se arruma bem linda, bota flor no cabelo, você, macho velho, luta boxe sozinho no banheiro, ouve uma do Rolling Stones ou do Bartô Galeno, você está preparado (a) para uma nova vida, caiu a pena como um passarinho, caiu o pêlo como um (a) gato (a), mudou de sina e com todo respeito ao clichê mais vagabundo, a fila anda.

Vixe, nossa!, você fez todas as rezas, orou para Jesus, foi no terreiro e no centro espírita, baixou os tarôs e tomou todas as carma-colas, pediu para a menina anônima que viu a virgem na mata e rendeu-se ao neo-orientalismo, você fez de tudo um pouco, santa, de tudo um pouco como o nome daquele bom prato do restaurante Buraco de Otília, Recife, rua da Aurora - a rua da luz mais bonita do mundo, segundo Gilberto Freyre e todos os bons fotógrafos do planeta.

É, amigo (a), se o pé-na-bunda é em preto e branco como naqueles bons, mudos e tristes filmes do expressionismo alemão, a salvação é em 3D, mais que Avatar e léguas submarinas, é uma montanha russa, um carrossel de parque de diversão, uma roda gigante ou uma simples caminhada pelas ruas com um sorriso enigmático e um bom ventinho na cara.

Adeus muchacho(a)!

quinta-feira, julho 02, 2009

(Su) Realismo


Eis-me aqui de novo.
Saudosa das cuspidas pseudo-filosóficas.

A pacatez tem desses meandros.

(...)

Os românticos hão de concordar comigo: um pouco de sofrimento, ou melodrama, ou seja lá o que for, é matéria-prima bi(o)bliográfica inestimável.

Repentinamente, senti vontade de escrever sobre a saudade.

Uma saudade meio difusa, meio sem saber a que veio. Ou algo mínimo que lhe justificasse a existência.

Uma saudade que aflorou como num flash, numa bem pregada peça daquelas que só a memória auto-biográfica, em sua inconcebível astutez, é capaz.

Saudade de quando tudo era possível. Saudade das imensas portas, e da curiosidade acerca do que havia além delas.

Saudade da ansiedade adolescente.

Saudade do rir e chorar com a mesma intensidade.

Saudade da adrenalina de um olhar fugidio, ou de uma ligação inesperada.

Saudade de ouvir Legião Urbana me sentindo retratada em cada estrofe. Ou de me imaginar na pele do eu lírico...

Saudade dos apertos de mão, das surpresas, das histórias da infância.

Saudade das fantasias que criava, e das infinidades existenciais que me saudavam.

Hoje os pés estão bem fincados no chão. Não há queixas.

Em seu lugar, a inércia da serenidade.

Maturidade.

(?)

Previsibilidade.

Desconcertantemente saudosa.



segunda-feira, outubro 29, 2007

Mensurações


Eu quero de um tudo.

Nem pouco, nem muito.

Tampouco quase nada.


Quero as ínfimas partes do quase-tudo.

Até quase-tudo mimetizar-se em quase nada.


Não quero brioches.

Nem pão dormido.

Não quero erudição.

Nem rimas pobres.

Não quero um do Porto.

Nem leite com soda cáustica.


Quero de um tudo.

Em paradoxal iminência.

Às vezes, tudo.

Nem sempre quase.


Quero de um pouco em um tudo.

Um muito em quase-pouco.


Nem pouco, ou quase-pouco.

Beirar o quase tudo do quase nada.


Mas, de tudo, quero um pouco.

Um tudo, em doses homeopáticas.


[...]


Não te quero em conta-gotas.

Quero tu, em um tudo.

Tu, em um muito.

terça-feira, setembro 25, 2007

Deus e o verbo


(...)

No inicio era o verbo...

E o verbo era Deus...

E o verbo estava com Deus,

E já não eram sós , ambos conjugavam-se entre si,

Discutiam quem seria a primeira e a segunda pessoa,

Quem era verbo...

Quem era Deus,

A ação e a interpretação...

Quem era a parte e quem era o todo.

Deus

(O pai, o filho e o espírito santo),

Era também o verbo

(regular e irregular)

E todos questionavam-se sobre quem seria o sujeito

E quem seria o predicado,

Quem se conjugaria no pretérito e quem renunciaria

À forma "mais que perfeita"!


Deus era o verbo e o verbo era Deus,

Conjugavam-se de maneira irregular...

Explicitando suas diferenças,

Reconhecendo os fragmentos e os complementos

Buscavam a medida certa

E, assim,

Reconheceram-se uno...

Eu deus, tu deus, ele deus, nós deus, vós deus... eles deus

Somos dotados deste curioso poder,

Mudamos nosso significado, nosso signo,

Nosso comportamento e nossos conceitos

(que por sua vez chegam ate nós depois de se modificarem muitas e outras vezes!)

Temos uma ferramenta e tanto nas mãos,

E nos pés...

Temos acorrentados nossos motivos de sobra pra relaxarmos

E acomodarmos com a vida que levamos agora...


(...)



(O Teatro Mágico!)

domingo, setembro 09, 2007

Onze dias



Eu descobri um mundo teu
E ele é manso
Sem perceber tive paz
E só me dei conta

Quando eu te vi e perguntei como é que vai você

"Tudo bem?"

Falta entender o que me faz
Pensar que só ela pode ter tanta paz pra me dar
Ninguém mais tem tanta paz

Eu te vi e cheguei pra falar

"Certinho?"

(Rodrigo Amarante)

quinta-feira, agosto 30, 2007

Medéia


Medéia era uma menina estranha.

Tinha um nariz esquisito, e olhos que não lhe caíam bem.

Mal sabia se ajeitar, coitada!

[...]

Vivia sob uma redoma hermética, que a protegia da hostilidade do mundo. Tudo lhe era percebido com estranheza desde tenra idade. Sempre acreditou que esse estranhamento passaria com os anos. Mas seu caleidoscópio sensorial continuou meio esquizofrênico.

Medéia gostava de mergulhar em si mesma de vez em quando. Não que isso fosse incomum, mas chegava por vezes a experimentar verdadeiros estados de fluxo introspectivos.

A aleatoriedade da vida lhe despertava incômodo e fascínio. Mas não despendia muito tempo com arroubos filosófico-ontológicos. Apenas se saber resultado de gametas vitoriosos lhe bastava.

Não tinha paciência, pobre Medéia.

Na verdade, ela nem se preocupava muito com fluxo, sentido e direção. Perambulava, desviava se necessário fosse, dobrava esquinas se a chamassem (ou se não se sentisse inconveniente), driblava as divisórias da calçada, parava ao olhar uma capa de revista na banca, ou ao ouvir erroneamente seu nome lhe sussurrar aos ouvidos.

Mas nunca soube o que queria, pobrezinha!

Medéia costumava falar pouco. No entanto, se entregava à tagarelice quando sentia alguns formigamentos na alma. Atropelava-se nas palavras, e elas a engasgavam a ponto de não haver coesão suficiente e seu discurso beirar o aramaico. Começava frases sem saber realmente onde queria chegar, ou que palavra sentenciara primeiramente.

As conversas ao redor lhe pareciam discos arranhados. Nunca conseguia se encontrar, nem localizar em seu intrínseco motivação para se engajar num papinho interessante. Às vezes, forjava resquícios de interesse, mas sua fugacidade mental não lhe permitia ouvir sequer as horas questionadas em segundos anteriores.

A vida não lhe despertava curiosidade.

Pobre Medéia.

A menina não tinha tempo nem pra se enfurecer com as coisas. Aliás, lhe faltava um pouco de discernimento acerca das concepções socialmente arraigadas dos absurdos.

Inventava ela mesma seus próprios absurdos.

Em sua parca existência, amargou alguns reveses amorosos (e se envolveu com uns tipinhos sobremaneira excêntricos). Ainda assim, podia ser flagrada em meio a devaneios e pieguices esdrúxulas, e chegar à iminência das lágrimas com um desfecho insosso de folhetim novelesco.

Medéia nunca se sentira plenamente. E essa sensação de incompletude lhe era desconcertante.

Pobrezinha.

A menina era uma sucessão de estados de espírito transitórios. Às vezes sentia como não lhe coubesse a alma em tão ínfima estatura. Tudo lhe parecia transcender e inundar o seu marasmo auto-biográfico.

Era de fato um amontoado difuso de vícios, manias e exercícios ritualísticos inúteis. Um emaranhado de ímpetos hedonistas. Um sem-número de corruptelas inadmissíveis ao travesseiro. Um turbilhão psico-afetivo, revestido de culposa ingenuidade, por assim dizer.

Medéia era. Ou, quem sabe, nem quisesse ser.

.

.

.

Não sabia.

[...]

Ou talvez não soubesse dizer.


sábado, agosto 25, 2007

Tarde vazia


"
Pela janela
Vejo fumaça
Vejo pessoas...

Na rua os carros
No céu o sol e a chuva
O telefone tocou
Na mente fantasia...

Você me ligou
Naquela tarde vazia
E me valeu o dia

(...)

"

(
Scandurra e Gaspa)

sexta-feira, agosto 17, 2007

Outrora


Tem sido prazeroso ver o ontem virar outrora.

A visão retrospectiva dos fatos os torna banais a ponto de questionarmos seu significado pretérito.

É como se "de cima da pedra" as coisas perdessem o sentido e as repercussões.

O ontem só faz sentido ontem.

E o hoje só se faz idôneo mediante o agora (aquele, efêmero).

As lágrimas, os risos, os sabores.

Os desafios. As vitórias. Os cheiros. As decepções.

Metas. Amigos. Amores.

[...]

Às vezes, o outrora vira saudade.

E saudade se sente do que não se fez outrora.

[...]

Outrora é memória.

Outrora é pretérito.

Outrora é luz.

Outrora é treva.


[...]

O outrora é âmago inóspito.

Outrora é vida.

Vida, por vezes inóspita,

E, de repente, vira outrora.

A fé solúvel


É, me esqueci da luz da cozinha acesa
de fechar a geladeira
De limpar os pés,
Me esqueci, Jesus!

De anotar os recados
Todas janelas abertas,
onde eu guardei a fé... em nós

Meu café em pó solúvel
Minha fé deu nó
Minha fé em pó solúvel

É... meu computador
Apagou minha memória
Meus textos da madrugada
Tudo o que eu já salvei

E o tanto que eu vou salvar
Das conversas sem pressa
Das mais bonitas mentiras

Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça-me um favor

Um favor... por favor

A razão é como uma equação
De matemática... tira a prática
De sermos... um pouco mais de nós!

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça-me um favor

Um favor... por favor


(O Teatro Mágico)

sexta-feira, agosto 10, 2007

Nostalgia


E eis que tu me surges.

Num fim de noite que tinha tudo para ser varrido dos meus confins hipocampais, sem estrondos ou resquícios semânticos de qualquer natureza.

E tu me surges.

Com despretensão ímpar, olhar penetrante, sorriso cativante, e semblante que transluzia uma avidez por "sabe-se-lá-o-quê".

E tu me surges.

Vestindo trajes de gala, aproximando-se em câmera lenta. A um close nos olhares patéticos, os créditos iniciam uma subida triunfal (estaria eu em Hollywood?)..

E tu me surges.

Faz tempo, não?

Bastante tempo.

Nunca me senti tão Jones na minha vida. Sim, um tanto quanto loser. Um tanto quanto ambivalente, um tanto quanto inerte. Totalmente inerte.

E tu, em teu melhor estilo Cleaver.

Sagaz. Larápio.

Desenvolto com as palavras, bem-humorado. Astuto ao relatar nossos registros mnemônicos mais significativos.

É, tu me surges.

Se eu fosse Cinderela, diria que o encanto fora quebrado a meia-noite e eu partira numa carruagem dourada (displicentemente deixando cair um de meus sapatinhos de cristal) , em seguida dormindo como um anjo, e acordando pensando em você.

Mas, como não acredito em contos-de-fada, nem em encantos, maçãs venenosas e varinhas de condão, diria apenas que...

Não, eu realmente não saberia o que dizer...


Er...


Foi muito bom esbarrar com você, Cleaver.

Prometo, na próxima, ser menos Jones.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Por quê(s)...


Por que os fins-de-semana são tão efêmeros?
Por que bolo de chocolate sempre acaba?
Por que as jujubas do pacote não são todas vermelhinhas (e por que quando se oferece a alguém,elas sempre estão em cima?)?
Por que os amores não duram pra sempre?
Por que não duramos pra sempre?
Por que doce engorda?
Por que a vida não tem a opção "rewind" dos vídeo-cassetes?
Por que Friends acabou?
Por que 24h são sempre insuficientes pras nossas pendências cotidianas?
Por que, uma vez perdida, a noção pueril de mundo jamais retorna?
Por que a inocência se esvai com o tempo?
Por que os seres humanos cada vez mais aprimoram a capacidade de ferir?
Por que aquela pessoa nunca está no MSN?
Por que você nunca esbarra com ela na fila do pão?
Por que ela só aparece quando você está fantasiada de mocréia?
Por que o pacote de Bono acaba?
Por que os mocinhos viram vilões?
Por que o lado da manteiga sempre cai virado pro chão?
Por que as caixas de lápis de cor sempre vêm com um branco?



(...)

Por que eu não consigo esquecer o seu perfume?
Por que carrego de ti tamanha bagagem semântica?

(...)

Por que?




PS: "...you're the only one who can turn me back on..."

quinta-feira, agosto 02, 2007

Turn me on



Não suporto mais paisagem de trânsito lento.

Será que você é incapaz de frustrar minhas previsões?



(abre aspas)

My hi-fi's waiting for a new tune
The glass is waiting for some fresh ice cubes

(fecha aspas)


domingo, julho 22, 2007

Santa Chuva


(ele)

Vai chover de novo
Deu na TV
Que o povo já se cansou
De tanto o céu desabar
E pede a um santo daqui
Que reza a ajuda de Deus
Mas nada pode fazer
Se a chuva quer é trazer você pra mim
Vem cá, que tá me dando uma vontade de chorar
Não faz assim
Não vá pra lá
Meu coração vai se entregar
À tempestade...

(ela)

Quem é você pra me chamar aqui
Se nada aconteceu?
Me diz?
Foi só amor? Ou medo de ficar
Sozinho outra vez?
Cadê aquela outra mulher?
Você me parecia tão bem...
A chuva já passou por aqui
Eu mesma que cuidei de secar
Quem foi que te ensinou a rezar?
Que santo vai brigar por você?
Que povo aprova o que você fez?
Devolve aquela minha TV
Que eu vou de vez
Não há porque chorar
Por um amor que já morreu
Deixa pra lá
Eu vou, adeus
Meu coração já se cansou de falsidade...

(Marcelo Camelo)

sábado, julho 21, 2007

Reticências


Não sei o que faço por aqui.
Escrevo-lhes (a quem mesmo?) motivada pelo ócio (grande paradoxo)...

De repente me vi pensando naquela baboseira de digestão do mundo.
Em que pese alguns avanços, ainda não consegui tragá-lo de maneira satisfatória. Sinto-me como uma criança, com reticências e interrogações pairando acima da cabeça a cada capítulo do meu dramalhão mexicano.

A vida é muito irônica (Chico foi muito feliz quando escreveu "Partido alto"). Deus deve mesmo assistir de camarote as comédias de nossas vidas privadas.

O grande fato é que com o tempo aprendemos a não duvidar das improbabilidades. Tudo é possível, e os absurdos vêm abundando vertiginosamente.

Exponencialmente...

Por um lado, ganhamos com isso a vantagem de minimizar decepções e não apostar tanto em quinquilharias. Por outro, perdemos a capacidade de nos surpreender, e tudo vai sendo tomado pelo gris dos amargos.

E o colorido caleidoscópio de nossos primeiros anos vai perdendo os seus matizes mais preciosos, levando consigo toda a graça que nos causava a insônia e ansiedade pelo raiar do Sol.

Lembro, como fosse hoje, das 9's de março, ou dos 11's de outubros. Lembro também de não querer dormir no dia 24 de dezembro, com medo de que uma piscadela me fizesse perder a oportunidade de ver o velho Nicolau. Mas aquele gatuno sempre era mais esperto que eu...

E hoje?

Eu sou feliz.
E amo.
Amo muito.

Mas temo.

Tenho medo do cinza.

Tenho medo da ameaça nuclear iminente que pulula nos seres humanos.