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quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Mono-tonia

Numa das minhas divagações, flagrei-me pensando no "marasmo atribulado" desse início de ano. Em retrospecto, constatei que o universo, ao longo da vida de um individuo, metamorfoseia-se de um grande e colorido caleidoscópio para um envolvente e corrosivo gris, de tal modo a nos consumir com trivialidades e mesmices cíclicas e fazer vir à tona a babaquice das querelas existenciais.

Mono-tonia: mono = um, e tonia = sufixo relativo à cor, tonalidade. Uma só cor, um só tom. Constatação idiota, eu sei, mas, contextualmente falando, adquire o sabor de um insight quase orgásmico.

Então... Hoje o mundo é cinza. Os balões dos aniversários são absurdamente incolores, presentes não trazem mais a torturante ansiedade da iminência do rasgar do embrulho, o Papai Noel não mais empresta cor à véspera de Natal, a piscina de bolinhas não é mais a mesma, o coelho da Páscoa embranqueceu de fato e o clube da Caixa não mais me provoca irradiante alegria. Os sanduíches da Pittsburg, a raspadinha de groselha, o brigadeiro de panela, a gelatina de framboesa e o bolo de chocolate da minha mãe seguem nesse paulatino desbotar, e eu sigo me indagando acerca do paradeiro dos "sine qua nons".


Subitamente, parece que tudo sumiu.

Minhas lentes encontram-se distorcidas? Ou será que exijo demais dessa existência grisalha? Será que apenas eu padeço desse mal?

Queria realmente acreditar que "com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo"..."



"Perco a identidade do mundo em mim e existo sem garantias. Realizo o irrealizável, mas o irrealizável eu vivo e o significado de mim e do mundo e de ti não é evidente. É fantástico, e lido comigo nesses momentos com imensa delicadeza. Deus é uma forma de ser? É a abstração que se materializa na natureza do que existe? Minhas raízes estão nas trevas divinas. Raízes sonolentas. Vacilando nas escuridões."

Clarice Lispector - Água Viva.


Será que alguém tem lápis de cera coloridos pra me emprestar? (...)